DIVAGAÇÕES

quinta-feira, agosto 27, 2020

PARADOXO DO CONDENADO

Como interlúdio, chamemos à baila o paradoxo do condenado, da autoria de Bertrand Russel, matemático, lógico, pensador e Prémio Nobel da Literatura em 1950, inglês, falecido em 1970 com 97 anos de idade.

Em tempos que já lá vão, num reino em que estava instituída a pena de morte, o seu rei, todo poderoso, condenou determinada pessoa à morte, por enforcamento.

Para tal, foram colocadas duas forcas em duas plataformas, chamando a uma "Altar da Verdade" e à outra, "Altar da Mentira".

Uma regra havia que foi explicada ao condenado momentos ante da execução:

- Terás oportunidade de dizer as tuas últimas palavras, como é habitual. Se o que disseres fôr verdade, serás executado naquele altar, o da verdade. Se fôr mentira naquele outro, o da mentira. A decisão é tua.

Aqui para nós, parece que o interessado, se é que algum interesse poderia ter na sua própria execução, não tinha safa.

Porém, após pensar um bocado, o condenado disse estar perfeitamente de acordo e preparado para  dizer as suas últimas palavras.

Fez-se silêncio e todos os presentes, que na altura eram muitos e curiosos em assistirem àquele espectáculo macabro, se prepararam para o ouvir.

E disse então:

- Vós ireis enforcar-me no Altar da Mentira.

Os carrascos para lá o conduziram e, quando já lhe tinham posto a corda no pescoço, um deles parou e disse:

- Alto! Não o podemos enforcar aqui, porque se o fizéssemos as suas últimas palavras teriam sido verdadeiras e no cumprimento da regra, dissemos-lhe que seria enforcado em consonância com elas.

- Claro, devemos enforcá-lo no Altar da Verdade, concluiu um outro.

Conduziram-no então para o Altar da Verdade e, já com a corda novamente na garganta, uma voz soou da assistência:

- É falso! Também aqui não o podem enforcar porque então as suas últimas palavras teriam sido mentira e, de acordo com a regra, no Altar da Verdade só pode ser enforcado quem tenha dito uma verdade.

Confusos, os verdugos envolveram-se em eterna discussão, o réu escapou e, se ainda hoje fosse vivo, decerto estaria a escrever livros de lógica.

Quem quer ajudar os frustrados carrascos na sua discussão?

2 comentários:

Luís Alves de Fraga disse...

Confesso, esta deixa-me confuso, tal como deixou os verdugos. Mas vou tentar explicar.
O condenado jogou com os conceitos de verdade e mentira e, ao fazer uma afirmação (vou ser enforcado no altar da mentira), chamemos-lhe, positiva, com base no conceito de mentira, chamemos-lhe negativo, coloca os carrascos perante uma verdade mentirosa ou uma mentira verdadeira. Ou seja a mesma coisa não pode ser falsa e verdadeira ao mesmo tempo. Faz-me lembrar as vezes em que certos professores que tive nos Pupilos do Exército quando eu respondia errado eles me diziam, textualmente: "multiplica por menos um", porque a minha verdade era mentira e só podia ser verdade se a "multiplicasse por menos um" (os valores negativos multiplicados por -1 tornam-se positivos e os positivos tornam-se negativos). O condenado fez uma afirmação que está, por natureza, multiplicada por menos um... O resultado é sempre falso, por ser diferente do que parece.
Terei sido claro, segundo a brilhante mente matemática do meu Amigo Zé Nunes?

José Cruz disse...

A intenção do condenado era mesmo essa, tornar a execução impossível de acordo com a regra.
Depois, o que poderia acontecer era virar-se o feitiço contra o feiticeiro, quando os carrascos tivessem de explicar ao rei porque é que não tinham cumprido uma ordem sua executando o réu, mas isso são contas doutro rosário. A não ser que conseguissem pôr o rei sem saber o que fazer perante a tal regra.